sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Critica de Cinema: A passarela se foi

A passarela se foi
de Tsai Ming-liang

A primeira cena do filme A passarela se foi mostra a movimentação de pessoas que entram e saem de campo aleatoriamente. Nesse primeiro instante o espectador percorre a imagem até encontrar um ponto neutro que estabilize seu olhar. Esse fenômeno físico da busca do olho por um equilíbrio é uma necessidade natural da nossa percepção visual e na cena, diante de todas as forças e tensões, percebe-se essa necessidade da pausa que nesse caso se dá em um elemento estático e sóbrio.

Esse ponto neutro é uma mulher, de costas, totalmente estática e trajando roupas em tons claros e uniformes que destoa do ambiente vivo e colorido que a envolve e passa por ela. E é através dessa neutralidade que a personagem é apresentada ao espectador, pois a percebemos justamente por destoar dos outros elementos.

Essa apresentação é interessante porque ao mesmo tempo, nesse frenesi em que o percorremos a imagem em busca de um equilíbrio visual, também almejamos o começo de uma história. Assim, ao focar naquele ponto destoante, estabelece-se uma calma tanto visual quanto cognitiva, pois encontra ali a possível personagem, alguém que irá iniciar a narrativa. Então, o próximo passo será descobrir o que aquele ser produzirá na história, qual é sua motivação.

A cena muda e a personagem recém encontrada não está nela. A partir desse ponto, começa a dinâmica do filme em estabelecer a presença dessa personagem na tela. Um sistema em que ela sempre adentra no quadro por algum canto da imagem, por espelhos ou até mesmo por outra personagem. Com isso, a partir da segunda cena o espectador “apreende” esse processo e passa a esperá-la. Aqui então, temos uma cumplicidade entre personagem e espectador. Assim como a personagem parece esperar e procurar por algo, quem assiste também o faz. Essa cumplicidade fica explícita no uso constante de reflexos, seja por espelhos ou por paredes com a superfície refletora, esses elementos, usado antes de tudo como símbolo de propagação, aborda e mostra aquilo que não está fisicamente em cena, inclusive o espectador.

A ação construída através do ocultar e revelar perturba a imaginação “linear” de quem assiste, pois a todo o momento ele aposta em uma personagem que começará uma trama. Na verdade, essa expectativa é criada porque desde o começo estabeleceu-se um clima de busca, parece que a personagem procura por algo, quer encontrar alguma coisa. Assim, toda vez que aparece algum outro personagem, seja a mulher com a mala entrando e criando uma confusão com um guarda em determinada passagem, seja pelo homem que depois passa pela personagem e também tem uma participação na “trama”, sugere-se que será o elo para se começar o enredo. Mas, aos poucos, percebe-se que a personagem não é alguém que tenha um conflito clássico, ou seja, conta a história de sua vida. É alguém que simplesmente conduz o espectador a uma fruição pelas imagens e como um mestre de cerimônia nos leva a um passeio por onde passa e nos convida a participar de sua busca.

O filme parece demonstrar um descomprometimento com uma narrativa clássica, ou seja, não há apresentação, desenvolvimento e resolução de um conflito. Simplesmente as personagens se encontram pelas ruas, como um reflexo do cotidiano em que cruzamos o tempo todo com outras pessoas que têm suas histórias e que desconhecemos, estabelecemos pequenos contatos pouco aprofundados e continuamos a caminhada. Na obra, essas relações são representadas principalmente na cena em que há um conflito entre um policial, a mulher da mala e a personagem por causa de uma infração de transito e na cena da escadaria em que o rapaz já no topo da escada pára por uns instantes e observa a personagem sair de quadro para depois continuar seu caminho. Então, pode-se dizer que se houve um conflito, esse foi justamente o das relações comuns no dia-a-dia com cenas que evidenciam as relações com outras pessoas, simplesmente guiadas pelo acaso do cotidiano e das relações efêmeras do dia-a-dia e que não necessariamente não se transformam em um grande conflito.

por Patrícia Kiss

domingo, 14 de dezembro de 2008